Feliciano Lhanos Azuaga
Aluno do curso de Formação de Líderes Políticos
Introdução
Descrença nas instituições, burocracia excessiva, instabilidade política e judiciário ineficiente têm sido algumas das dificuldades enfrentadas pela sociedade em países em desenvolvimento e principalmente na América Latina (de Castro, 1991). Investidores em projetos de longo prazo, como infraestrutura, são sensíveis a tais dificuldades. A literatura aborda essa relação entre ambiente institucional e desenvolvimento econômico de diversos, mas similares pontos de vista.
Uma importante abordagem foi feita por North (1968), que define e atribui um importante papel as instituições na teoria do desenvolvimento econômico. Instituições por sua ótica são um conjunto de regras criadas e garantidas pelo estado e pela sociedade. As instituições de um lugar moldam os incentivos dos indivíduos, negócios e políticas públicas.
A estrutura institucional cria um ambiente salutar para o desenvolvimento econômico (Acemoglu, 2012). A capacidade do governo em respeitar regras contratuais funciona como mecanismo redutor de custos de transação (Coase, 1937).
Acemoglu (2011) relata uma nova tendência de políticas populistas na América Latina. Segundo sua abordagem, os políticos populistas tem como principal objetivo alcançar o maior apoio possível do eleitorado mais pobre. A principal característica dos governos populistas é solucionar problemas sociais através do uso de políticas macroeconômicas expansivas para alcançar tal objetivo.
Nos últimos 20 anos na América Latina, as intervenções setoriais estão sendo utilizadas frequentemente pelos políticos (Cont, 2011). Tais intervenções podem gerar instabilidade e consequentemente efeitos adversos sobre a atividade econômica. Subsídios são instrumentos adotados pelos governos para atingir objetivos econômico e social, mas `as vezes são utilizados para outras finalidades.
Os investidores privados tem um grande interesse em setores de infraestrutura como mostrado por Gugler (2013). As condições regulatórias para assegurar a lucratividade e a amortização dos investimentos são essenciais para atração de novos projetos. O interesse dos investidores pode ser representado pela aquisição de ativos de empresas através do mercado de ações. De acordo com Sobel (2002) investidores buscam regras transparentes e estáveis.
O entendimento do risco regulatório e o cumprimento das regras em setores regulados são importantes para o desenho de políticas públicas. Mudanças nas regras de regulação são uma constante preocupação dos agentes econômicos, mas há poucas evidências sobre seu impacto sobre os ativos das empresas. A premissa deste trabalho é que as incertezas no ambiente de regulação aumentam a volatilidade negativa sobre as empresas de energia (Ziel, 2015). Neste contexto, o objetivo deste trabalho e apresentar uma evidência sobre essa relação no setor elétrico brasileiro e o risco regulatório.
Este artigo é estruturado em três seções. Após esta introdução é apresentado as características do setor elétrico brasileiro o descrito como ocorreu a intervenção regulatória através da Medida Provisória 579. E na última seção do artigo são apresentadas as conclusões.
Setor elétrico brasileiro e a MP 579
A. Setor Elétrico Brasileiro
Durante a década de 90, devido às limitações de investimento do Estado e com as crises econômicas, houve uma progressiva abertura para o retorno do investimento privado, através da adoção de um modelo baseado em regras de mercado como apontado com Siffert Filho (2009). Houve transferência do protagonismo do setor público para investidores privados em setores de infraestrutura, especialmente através do Plano Nacional de Desestatização (PND). Entretanto, mesmo com tais mudanças estruturais adotadas, houve no setor elétrico a manutenção de baixa eficiência que somado a uma crise hídrica levou ao o racionamento energético em 2001 e 2002. A partir de 2004, com o novo marco regulatório, o Estado assume novamente um papel relevante no planejamento de longo-prazo do setor.
Atualmente as políticas públicas e as diretrizes relacionadas ao mercado de eletricidade no Brasil são de responsabilidade do poder executivo. A operacionalização é realizada pelo Ministério de Minas e Energia que pode encaminhar e solicitar alterações na legislação e medidas provisórias. A regulação e a supervisão das políticas e diretrizes governamentais são funções da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que foi criada em dezembro de 1996 como uma autoridade regulatória independente para o setor.
B. Medida Provisória 579 e o risco regulatório
Medida provisória (MP) é uma ferramenta legal adotada pelo poder executivo, que tem efeito de lei imediatamente após sua publicação, contudo para se tornar lei, a MP precisa ser aprovada pelo congresso. A legislação alega que a MP só deve ser adotada em casos de relevância ou urgência. A recomendação é ignorada e o instrumento jurídico é utilizado para regulação econômica constantemente.
Em 11 de setembro de 2012, o governo federal brasileiro promulgou a medida provisória 579 que teve como principal objetivo reduzir o custo da energia elétrica, e assim amenizar uma das dificuldades do setor produtivo brasileiro. Contudo as novas regras alteravam os acordos relativos a renovação das concessões de 4 geração e transmissão de energia. A medida limitava as margens de ganho dos concessionários e apresentou uma nova estrutura de preços.
Além desses objetivos formais, a medida provisória também buscava dois outros objetivos políticos indiretos: o primeiro era atender as solicitações da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que é uma importante representação setorial. O segundo objetivo era conseguir um maior apoio popular usando a redução da tarifa da energia elétrica como um mecanismo.
O segundo objetivo ficou evidente com o anúncio da redução da tarifa feito através de um pronunciamento oficial em cadeia de rádio e televisão no dia 6 de setembro, um dia antes da celebração do dia da Independência. As novas regras que permitiriam a redução das tarifas, entretanto, só seriam anunciadas no dia 11 de setembro.
O amplo anúncio da redução contrastou com a ausência de informações sobre os mecanismos de operacionalização, que só seriam conhecidos dias depois. A ausência de informações gerou apreensão do setor elétrico sobre a condução da política energética e o sobre o uso do setor como instrumento para atingir objetivos políticos. Dado as incertezas trazidas pelo pacote de novas regras, o setor elétrico e o mercado de capitais reagiram com ceticismo.
É inquestionável o mérito da busca pela redução no custo da energia elétrica para os consumidores. O brasil possui altas tarifas mesmo possuindo uma matriz predominantemente hidroelétrica, que tipicamente é uma fonte de energia mais barata.
Os custos associados a aspectos técnicos e operacionais representam 51,4% do preço final, enquanto a tributação representa 48,6%. Era esperado que qualquer nova regra que buscasse promover a redução das tarifas para o usuário deveria mudar proporcionalmente os componentes do preço: técnico, operacional e tributação. Este não foi o caso: para obter a redução de 20% estimada pelo Governo pela MP 579, o novo conjunto de regras focou nos custos relacionados a encargos técnicos, operacionais e setoriais, deixando inalterada a tributação.
Com relação aos custos técnicos e operacionais, a MP 579 solicitou que os operadores cujas concessões expirariam ate 2015 teriam que confirmar o interesse de renovação até outubro do ano corrente, mesmo sem estar ciente das condições para os novos contratos e sem saber o preço que poderiam cobrar sobre as novas regras de regulação. Ao aceitar a renovação, as novas concessões já desempenha- 5 riam os novos preços a partir de janeiro de 2013. Outra condição imposta foi a receber um montante de indenização relativa à redução de tarifas referente ao período remanescente do triênio 2013-2015. Essa restituição teria de reembolsar o empresário de quaisquer ativos não depreciados, mas a metodologia de cálculo ainda não havia sido definida.
A restituição proposta pelo governo oferecia substancialmente um valor menor do que os valores de ativos marcados nos balanços das empresas, o que causaria perda nos investimentos prévios. Se o concessionário não optasse por renovar as concessões, o negócio continuaria como de costume - com a mesma taxa acordada previamente - até o fim do período, quando seria decidido um valor residual que seria pago pelos ativos existentes. Neste momento, o governo abriria uma nova rodada de licitações de concessão.
Dois pontos pareceram problemáticos para os investidores. O primeiro é que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) sinalizou que o valor a ser pago pelos ativos seria significativamente menor que o esperado. O segundo e principal ponto é que algumas concessões ainda teriam a opção de confirmar a primeira renovação nas regras anteriores, mas aparentemente perderam essa opção de forma unilateral.
No segmento de transmissão, a dinâmica aplicada seguia a mesma lógica, logo a remuneração pela tarifa seria recalculada e, portanto, novos valores de tarifas para o uso do sistema de transmissão seriam atualizado. Unilateralmente, a medida assegurou que os ativos anteriores a 2000 foram integralmente amortizados por definição. Em outras palavras, nenhuma restituição poderia ser realizada pelo governo Costa (2014). O segmento de distribuição já passava por processos de revisão tarifária periódicos que ajustavam as taxas de retorno e mantinham os valores dos ativos atualizados. Nessa situação o impacto da MP 579 teve menor intensidade.
No geral, a redução de 20% prevista pelo governo, dois terços seriam obtidos do componente operacional e técnico e um terço da redução dos encargos e contribuições do governo. Note-se que o MPA 579 não previu qualquer ajuste fiscal para atingir a meta de tarifas mais baixas. Para lidar com essa mudança no preço das tarifas de energia, seria necessário contribuições anuais da União para a manutenção das atividades de desenvolvimento, antes financiados por esses encargos, que de uma forma ou de outra, continuaria a ser pago pelo contribuinte.
Além das consequências diretas, a MP 579 pode trouxe alguns impactos negativos indiretos. O primeiro refere-se à influência que a medida poderá trazer para a dinâmica do ambiente de contratação regulada. É possível que, com uma redução de cerca de 20% das tarifas da energia, o retorno dos investimentos reduza e consequentemente novos projetos de investimentos sejam abortados ou adiados (Bacon, 2010). O atraso de alguns projetos de geração de energia elétrica poderá causar um descompasso entre oferta e demanda no médio e longo-prazo.
A diminuição da tarifa de energia pode estimular a demanda por eletricidade gerada pela matriz atual. Além disso, a provável queda no preço da eletricidade poderia inibir o desenvolvimento de algumas fontes renováveis benéficas para a matriz energética brasileira - solares e de biomassa. Esta situação de incerteza favoreceu geradores mais barato, mas poluentes, como as usinas termoelétricas. Além disso, independentemente da finalidade da MP 579, observou-se que a proposta não representa uma redução real dos componentes que compõem o preço final da eletricidade.
Considerações Finais
Os objetivos políticos dos governantes e a fragilidade das instituições de uma sociedade moldam a trajetória de desenvolvimento econômico. A avaliação do impacto das políticas públicas é uma importante ferramenta para prevenir que medidas não eficazes, possam ser evitadas no futuro. O respeito aos contratos, transparência e estabilidade são características governamentais essenciais para expansão dos investimentos no setor de infraestrutura, principalmente nos países em desenvolvimento que tem restrições ao mercado de crédito. Ficou evidente que a MP 579 trouxe um risco regulatório não esperado ao setor elétrico quando foi anunciado.