A efetividade de incentivos financeiros e de restrições políticas como medidas para aprimorar os índices educacionais

Introdução

A resolução do problema da educação no Brasil é um grande desafio, governos e principalmente organizações civis apontam que a cooperação entre diferentes entes da federação é essencial para que os objetivos que o Brasil tem para a educação sejam alcançados. Governos executivos normalmente não têm incentivos políticos para tratar do tema fora de debates. A educação gera poucos resultados em um curto prazo de mandato, mesmo considerando uma reeleição. Ela não é colocada como uma das prioridades da população nas pesquisas de opinião e a população votante correlacionada a educação, os professores e diretores, normalmente tratam a resolução dos problemas da educação com o aumento de verbas, não com o atingimento de resultados. Organizações como o Todos Pela Educação deixam claro que para atingirmos resultados satisfatórios precisamos da coordenação do Governo Federal, viabilizando soluções em nível de sistema, da organização intraescolar e de auxílio extraescolar. Isso significa que governos executivos Federais, Estaduais e Municipais precisam atuar em sinergia, ao mesmo tempo que outras pastas destes governos precisam atuar em apoio a agenda da educação. 

Mas se não existem muitos incentivos políticos para governos executivos, como resolver o problema? A análise descrita aqui busca estudar propostas já avaliadas de incentivos políticos e financeiros bem como o uso de restrições políticas para atingir resultados mensuráveis na avaliação educacional que não passem por uma coordenação suprapartidária de diferentes governos executivos, algo que parece distante da realidade brasileira. A análise não busca oferecer um método alternativo de atingimento de metas satisfatórias apenas baseada em leis de incentivos ou restrições. O objetivo é entender se, através de uma posição legislativa, é possível implementar algum projeto que direcione o desempenho da educação brasileira para um caminho mais positivo, ainda que não ideal.

1 Repasse do ICMS como incentivo a prefeitos

O ICMS é o imposto que gera o maior volume de receitas públicas no país, e, de acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional, em 2010 ele foi responsável por 17,5% da arrecadação, em média, entre as capitais, variando de 10,8% em Palmas até 35,3% em Manaus, valores muito consideráveis para as contas dos municípios. O ICMS é um imposto federal, mas sua administração fica sob responsabilidade das Unidades de Federação. De todo seu valor, 75% ficam com os estados e 25% com os municípios. Destes 25% dos municípios, 75% são distribuídos considerando o Valor Adicionado Fiscal (VAF), e os 25% restantes podem ser distribuídos conforme as leis dos estados determinam. Esses 25% restantes dão margem para a criação de incentivos políticos baseados em resultados.

Em 2007 o Ceará realizou uma alteração na sua lei que mais tarde ganhou notoriedade no Brasil, modificando a lei de repasse do ICMS para que o cálculo de distribuição dos 25% restantes passasse a dar um peso maior aos resultados obtidos nos índices de educação, em detrimento de outros índices que ainda constam no cálculo, mas com peso menor. A Lei 14.023 - 2007 determinou que 18% seriam distribuídos de acordo com o Índice de Qualidade da Educação (IQE), que leva em consideração o desempenho das escolas municipais, mas especificamente do 1º ao 5º ano, ou seja, focando na educação básica. Outros 5% são calculados de acordo com o Índice de Qualidade da Saúde (IQS) e o Índice de Qualidade do Meio Ambiente (IQM).

O crescimento dos índices de educação do Ceará desde 2017 são notáveis. Segundo o IDEB, a nota do estado era de 3,2 em 2005 no período relativo ao foco da análise de resultado, do 1º ao 5º ano. Em 2017 esse valor atingiu a nota 6,2. No mesmo período, o Nordeste e o Brasil também tiveram um aumento. No Nordeste a nota aumentou de 2,9 em 2005 para 5,1 em 2017. No Brasil, no mesmo período, o aumento foi de 3,8 para 5,8. O Ceará não apenas acompanhou o aumento da nota do IDEB como superou esse crescimento, puxando a média para cima. Outros resultados também foram observados no período não relativo a análise de desempenho, do 6º ao 9º ano. Em 2017 o número de alunos com aprendizado adequado em matemática era de 9,2%. Em 2017 esse número chegou a 22,7%. O crescimento no Nordeste e no restante do Brasil foi de 8,5% para 14,7% e de 14,3% para 21,5%, respectivamente. Em 2017, 82 das 100 melhores escolas do Brasil estavam no Ceará, enquanto que em 2005 apenas 1 delas estava na lista.

A política de incentivos implementada pelo estado do Ceará não necessitou o aumento do montante de recursos destinados a prefeituras ou mesmo a educação, esses recursos já eram destinados aos municípios, mas a mudança dos critérios foi suficiente para que resultados diferentes fossem atingidos. De acordo com Relatório Técnico Educação Já produzido em 2018 pelo Todos Pela Educação, pesquisas apontam que essa mudança na política de incentivos como um pilar fundamental para a melhoria dos resultados de alfabetização que o Estado apresentou nos últimos 10 anos. De acordo com um artigo publicado por docentes do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (CAEN/UFC), existem evidências claras que apontam que políticas de incentivos aos Prefeitos geram mais resultados que políticas focadas nas escolas ou nos alunos. O alinhamento dos incentivos, portanto, atinge maiores resultados ao focar no gestor público em detrimento do aluno ou da escola.

2 Auxílio pecuniário como incentivo a alunos

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2019, anterior à pandemia do Covid-19, 20% das pessoas entre 14 e 29 anos não terminaram alguma das etapas da educação básica. O Todos Pela Educação aponta que 21,2% das crianças nascidas no país são filhas de adolescentes até 19 anos. Diversos fatores influenciam a evasão, mas se destacam aqui dois deles, a gravidez e a inserção no jovem no mercado de trabalho. Segundo pesquisas apontadas pela mesma instituição, 86% dos jovens apontam ter dificuldades para continuar estudando. A pandemia da Covid-19 fragilizou, segundo a Unicef, em 2020 o número de adolescentes fora da escola no Brasil atingiu 17,3%, chegando a 32,4% na região Norte. De cada 10 crianças e adolescentes fora da escola, 6 viviam em famílias com renda familiar per capita de até meio salário mínimo, evidenciando a correlação entre falta de renda e evasão escolar.

A evasão escolar é um problema em todos os níveis, até mesmo no ensino superior. Em relação a incentivos pecuniários, o Governo Brasileiro possui mais dados em relação a políticas de combate à evasão do ensino superior quando comparado ao ensino médio ou básico. Recentemente, em 2021, estados como o Rio Grande do Sul apresentaram programas de incentivos pecuniários para adolescentes no ensino médio, e esses resultados ainda não podem ser medidos. O Governo Brasileiro, preocupado em garantir a permanência dos alunos no ensino superior público, criou em 2007 o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Os auxílios são ofertados de diversas formas, não apenas pecuniários, e mesmo os pecuniários possuem ramificações específicas.

Um estudo realizado no Instituto Federal do Ceará analisou especificamente o impacto de três desses benefícios: Auxílio Moradia, Auxílio Transporte e Auxílio Discente Pai/Mãe. Esses auxílios foram destinados prioritariamente aos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Foram analisados os estudantes em situação de vulnerabilidade de três cursos: Serviço Social, Tecnologia em Irrigação e Drenagem e Química. Quando comparados a estudantes em situação de vulnerabilidade, os seguintes resultados foram obtidos:

 

Em todos os cenários os estudantes em situação de vulnerabilidade tiveram significativa diferença em relação aos alunos que não receberam incentivos pecuniários. O estudo observa também que a permanência dos alunos beneficiários do programa excede até mesmo a taxa geral, que é de 41,7%.

As bolsas ofertadas sinalizam um considerável aumento da taxa de permanência de alunos em situação de vulnerabilidade. Os estudos foram feitos apenas com estudantes do ensino superior e mais evidências são necessárias para comprovar a eficácia em ensinos de outros níveis, de qualquer forma, programas dessa natureza sugerem que atacar o problema da renda das famílias em situação de vulnerabilidade parece evitar que a família utilize o estudante como fonte de renda ao inseri-lo no mercado de trabalho e retirá-lo dos estudos.

3 Indicação política de diretores de escola 

No ano de 2018 o IBGE divulgou a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), em que, entre outros dados, mostrava a quantidade de cidades do Brasil que escolhia os diretores de suas escolas através de indicação política. Um total de 69,5% das cidades brasileiras mostraram escolher seus diretores de forma política, e não meritocrática ou técnica. O dado não é uma surpresa, anterior a redemocratização a escolha de diretores por critérios políticos era a norma, e a mesma pesquisa Munic mostrou em 2014 que 74,4% dos municípios já faziam a escolha de seus diretores desta forma.

Buscando descobrir uma relação causal entre a indicação política e efeitos negativos na qualidade do desempenho escolar dos alunos, pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto - USP (FEA-RP/USP) buscaram dados para contribuir com a discussão e buscar evidências de que esse tipo de indicação realmente causa impactos negativos nos desempenho escolar. Separando escolas públicas em dois grupos, que possuem indicações políticas e que não possuem. Um estudo dos resultados na Prova Brasil de 2015 foi analisado para verificar se ali se refletia uma diferença no desempenho escolar.

Organizações sociais como o Todos Pela Educação deixam claro que a tendência mundial é de existir uma busca pela qualificação na escolha de diretores, com exigências técnicas, comprovação de gestão anterior, conhecimento pedagógico e liderança comprovada. Apesar de apontar como urgente a mudança da prática da indicação e de mostrar que grande parte dos professores (93%) respaldam uma mudança de indicação dos diretores para incluir critérios técnicos, quando consideradas pesquisas como a da FEA-RP/USP, pouco se encontra em evidências para comprovar que uma mudança dessa natureza afete o desempenho escolar. Nenhuma das avaliações da pesquisa conseguiu encontrar evidências significativas de melhora no desempenho escolar, ao mesmo tempo, não foram encontradas mudanças negativas ao avaliar escolas públicas que escolhem seus diretores de forma técnica.

Considerações Finais

As pesquisas descritas sinalizam que muito progresso é possível através de projetos legislativos que visam criar incentivos políticos e financeiros para o atingimento de metas de desempenho, mas não para o estudo relacionado a indicações políticas. Se nota que incentivos para gestores públicos acabam tendo muito efeito nas notas escolares, quando esses índices são claramente atrelados ao desempenho escolar. Incentivos financeiros para alunos também têm bons resultados para garantir a permanência de alunos em suas instituições de ensino, mas isso não necessariamente conduz a um maior desempenho escolar. Projetos que trabalhem com incentivos, quando suportados por evidências, podem ser utilizados como um útil direcionador da educação brasileira, enquanto o cenário ideal de coordenação federal entre diferentes entes da federação não é colocado em prática.

 

Bibliografia 

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TODOS PELA EDUCAÇÃO. Educação já: Uma proposta suprapartidária de estratégia para a Educação Básica brasileira e prioridades para o Governo Federal em 2019-2022.

ARAÚJO, Sandy Andreza de Lavor; ANDRIOLA, Wagner Bandeira; CAVALCANTE, Sueli Maria de Araújo; CORRÊA, Denise Maria Moreira Chagas. Efetividade da assistência estudantil para garantir a permanência discente no ensino superior público brasileiro. Instituto Federal do Ceará. 2019

SHIRASU, Maitê Rimekká; IRFF, Guilherme Diniz; PETTERINI, Francis Carlo. Melhorando a qualidade da educação por meio do incentivo orçamentário aos prefeitos: o caso da Lei do ICMS no Ceará. CAEN/UFC. 2013

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UNICEF. Cenário da Exclusão Escolar no Brasil: Um alerta sobre os impactos da pandemia da COVID-19 na Educação 2021