INTRODUÇÃO
Conforme estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, entre 1988 e 2020, foram mais de 6,4 milhões de normas editadas no Brasil. Uma média de 800 normas por dia útil em apenas 32 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 19881 . Esse nível de interferência, leva a uma situação que coloca a legislação brasileira como complexa, confusa e de difícil interpretação.
Como consequência prática, o Brasil vem se mantendo nos últimos lugares em rankings que avaliam o ambiente regulatório local e seu efeito danoso sobre capacidade de geração de riqueza local. No Doing Business, por exemplo, em uma lista de 190 países, no ano de 2020 o Brasil figurou em 124º ladeado por países como Senegal e Argentina23 . Essa mesma visão, aparece no ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation que coloca o Brasil na 143ª posição entre 178 nações4 .
Nos anos recentes, essa temática tem ganhado maior espaço entre os policy makers locais. O ano de 2019, em especial, representou um importante marco no que tange à reflexão sobre os limites da interferência governamental e seus impactos na atividade econômica privada. O art. 6º da Lei nº 13.848 (Lei das Agências Reguladoras), e o art. 5º da Lei nº 13.874 (Lei da Liberdade Econômica), tornaram obrigatória a realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR) quando da edição e alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados.
Levando isso em conta, esse trabalho discute esses recentes avanços conceituais no arcabouço normativo brasileiro. Por se tratar de mudanças recentes, limita-se aqui a um ensaio descritivo, diferenciando categorias e identificando desafios para a implementação da AIR no Brasil. Além dessa introdução, o trabalho apresenta uma identificação conceitual do tema (i); para então tecer rápidos comentários sobre potenciais impactos desses atos normativos (ii).
ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO
Conforme anteriormente citado, em 2019, duas leis trouxeram dispositivos determinando a AIR com informações e dados sobre possíveis efeitos do ato proposto nas propostas de edição e de alteração de atos normativos por parte do poder público (incluído fundações e autarquias) que tenham impacto sobre os agentes econômicos – tanto empreendedores, como consumidores e usuários dos serviços prestados.
Posteriormente, com a edição do Decreto 10.411, de 30 de junho de 2020, regulamentou-se de fato a AIR, abrindo novas perspectivas na relação público/privado no ambiente normativo brasileiro. O artigo 6º da Lei nº 13.848, é muito claro no que tange à análise aqui proposta:
Art. 6º - A adoção e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados serão, nos termos de regulamento, precedidas da realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo. § 1º Regulamento disporá sobre o conteúdo e a metodologia da AIR, sobre os quesitos mínimos a serem objeto de exame, bem como sobre os casos em que será obrigatória sua realização e aqueles em que poderá ser dispensada.
(...)
§ 5º Nos casos em que não for realizada a AIR, deverá ser disponibilizada, no mínimo, nota técnica ou documento equivalente que tenha fundamentado a proposta de decisão.
Da mesma forma, o artigo 5º da Lei nº 13.874, em seu Capítulo IV – Da Análise de Impacto Regulatório, prevê que:
Art. 5º - As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a data de início da exigência de que trata o caput deste artigo e sobre o conteúdo, a metodologia da análise de impacto regulatório, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigatória sua realização e as hipóteses em que poderá ser dispensada.
Em ambas as leis, como é próprio desse instrumento que visa perenidade, ficam em aberto os procedimentos em si, que foram regrados, por fim, com a edição do Decreto 10.411, de 30 de junho de 2020, que, no seu cabeçalho, deixa claro seu foco: “Regulamenta a análise de impacto regulatório, de que tratam o art. 5º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, e o art. 6º da Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019”. Destaca-se aqui, três artigos desse decreto.
O artigo 2º visa definir de forma mais fechada o que vem a ser AIR:
Art. 2º - Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I - análise de impacto regulatório - AIR - procedimento, a partir da definição de problema regulatório, de avaliação prévia à edição dos atos normativos de que trata este Decreto, que conterá informações e dados sobre os seus prováveis efeitos, para verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão;
(...)
III - avaliação de resultado regulatório - ARR - verificação dos efeitos decorrentes da edição de ato normativo, considerados o alcance dos objetivos originalmente pretendidos e os demais impactos observados sobre o mercado e a sociedade, em decorrência de sua implementação;
O artigo 6º, em termos práticos o mais relevante para os agentes econômicos por estabelecer os componentes que compõem um estudo de AIR, diz que:
Art. 6º - A AIR será concluída por meio de relatório que contenha:
I - sumário executivo objetivo e conciso, que deverá empregar linguagem simples e acessível ao público em geral;
II - identificação do problema regulatório que se pretende solucionar, com a apresentação de suas causas e sua extensão;
III - identificação dos agentes econômicos, dos usuários dos serviços prestados e dos demais afetados pelo problema regulatório identificado;
IV - identificação da fundamentação legal que ampara a ação do órgão ou da entidade quanto ao problema regulatório identificado;
V - definição dos objetivos a serem alcançados;
VI - descrição das alternativas possíveis ao enfrentamento do problema regulatório identificado, consideradas as opções de não ação, de soluções normativas e de, sempre que possível, soluções não normativas;
VII - exposição dos possíveis impactos das alternativas identificadas, inclusive quanto aos seus custos regulatórios;
VIII - considerações referentes às informações e às manifestações recebidas para a AIR em eventuais processos de participação social ou de outros processos de recebimento de subsídios de interessados na matéria em análise;
IX - mapeamento da experiência internacional quanto às medidas adotadas para a resolução do problema regulatório identificado;
X - identificação e definição dos efeitos e riscos decorrentes da edição, da alteração ou da revogação do ato normativo;
(...)
Parágrafo único. O conteúdo do relatório de AIR deverá, sempre que possível, ser detalhado e complementado com elementos adicionais específicos do caso concreto, de acordo com o seu grau de complexidade, abrangência e repercussão da matéria em análise.
Por fim, demonstrando a seriedade com que é encarado o tema, o artigo 7º define os métodos válidos para AIR:
Art. 7º- Na elaboração da AIR, será adotada uma das seguintes metodologias específicas para aferição da razoabilidade do impacto econômico, de que trata o art. 5º da Lei nº 13.874, de 2019:
I - análise multicritério;
II - análise de custo-benefício;
III - análise de custo-efetividade;
IV - análise de custo;
V - análise de risco; ou
VI - análise risco-risco.
§ 1º A escolha da metodologia específica de que trata o caput deverá ser justificada e apresentar o comparativo entre as alternativas sugeridas.
POTENCIAIS BENEFÍCIOS NO BRASIL
Dentro da economia mainstream, a atuação estatal justifica-se em situações conhecidas como falhas de mercado. Nesses momentos em que a eficiência de mercado se vê comprometida, a regulamentação pode gerar uma situação mais próxima de um ótimo econômico. Entretanto, se utilizada desproporcionalmente, a situação inicial, já falha, torna-se ainda mais distorcida. Daí a importância de, quando houver, o regulamento esgote possibilidades e cenários a fim de que seus efeitos sejam os mais previsíveis possível.
Nesse sentido, a imposição trazida pela Lei de Liberdade Econômica e pela Lei das Estatais, ambos regulamentados via Decreto 10.411/20, ao condicionar a regulação econômica à adoção de Análise de Impacto Regulatório (AIR) traz um potencial singular de melhora regulatória no cenário nacional, com efeitos importantes sobre o ambiente de negócios.
É importante destacar que algumas agências reguladoras já vinham adotando medidas do tipo AIR, como é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o que facilita a assimilação da medida pelos agentes que serão responsáveis pelo seu bom uso. Dado o caráter recente dessa iniciativa, ainda é cedo para saber se sua aplicabilidade será efetiva, até porque o mecanismo que está sendo proposto, envolve também a necessidade de conhecimento técnico para a sua operacionalização. De qualquer forma, a sinalização é positiva e promissora.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019. Dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 121., p. 1, 26 jun. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13848.htm
BRASIL. Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado. Diário Oficial da União: seção 1 - extra, Brasília, DF, n. 183-B., p. 1, 20 set. 2019. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm
BRASIL. Decreto nº 10.411, de 30 de junho de 2020. Regulamenta a análise de impacto regulatório. Diário Oficial da União: seção 1 - extra, Brasília, DF, n. 124., p. 35, 01 jul. 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10411.htm 7
BRASIL. Diretrizes gerais e guia orientativo para elaboração de Análise de Impacto Regulatório – AIR / Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais [et al.]. --Brasília: Presidência da República, 2018. https://www.gov.br/casacivil/pt-br/centrais-de-conteudo/downloads/diretrizes-gerais-e-guiaorientativo_final_27-09-2018.pdf/@@download/file/diretrizes-gerais-e-guiaorientativo_final_27-09.pdf
BRASIL. Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade. Guia para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR). 2021. https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/reg/guias-e-manuais/referencias-ebibliografia-guia-air/guia-de-air_vfinal_150421.pdf
PAULA, F.. Avaliação Legislativa no Brasil: limites e possibilidades. 2016. Doutorado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5066921/mod_resource/content/1/avalia%C3%A7% C3%A3o%20legislativa%20no%20brasil_felipe%20de%20paula_tese_2016.pdf
REYDER, C. A. B. Avaliação de impacto Legislativo: a tradição histórica de justificação das decisões legislativas nos Estados Unidos e as iniciativas incipientes no Brasil, 2016. Mestrado. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais. https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-ASJFDU/1/disserta__o_completa.pd